Ontem, cheguei a minha casa com meus
sentimentos cansados e a minha
pélvis agoniada e vencida, sofrendo de dor.
Trouxe no meu coração
cicatrizes, lamentos, dias sem dormir...
E um sórdido ódio em meu ser.
Hoje, eu tenho que cuidar das
feridas, da pena e da
raiva contida que
semearam em mim, na maternidade.
Eu sinto a sensação e o
temor de haver fracassado em meus
sonhos e desejos de ser mulher e mãe.
amei meu corpo de mulher em sua nudez.
Odiei o momento da minha
‘Abominável maternidade’.
Eu tenho que reaprender a ser
mulher e mãe, voltar a amar e a sorrir.
eu fui dar à luz na maternidade e não
buscar frustrações, escuridão e tristeza.
Os sistemas fechados em decadência são as instituições mais dominantes da modernidade cosmopolita. As maternidades, as Universidades, os hospitais, as clínicas conveniadas e outros mostram em comum a chamada “doutrina institucional”. Esta ideologia se complementa com o cooperativismo do dinheiro.
Esta ideologia consiste na exaltação incondicional da ordem e da segurança como valores absolutos e do serviço da sociedade intelectual tal como é administrada hoje, sem mudanças.
A ordem e a segurança são os princípios instáveis dessa sociedade regida pela injustiça, pela opressão, pelas desigualdades, pelas discriminações, pelo analfabetismo, pelos privilégios, pela violação sistemática dos direitos culturais fundamentais das comunidades civilizadas e nativas; uma sociedade com muitas carências, mas que, no entanto, supervaloriza oter em detrimento do ser. É uma sociedade dominada pela angústia, pelo terror, pelo medo, pelo isolamento, pelo alcoolismo, pelas drogas, etc. Encontram-se massas subjugadas por instituições dominantes e frustradas pelo ilimitado desejo consumista.
A seguir, o resumo de algumas observações e o comentário de outras, do notável cientista brasileiro Maurício Tragtenberg.
“Esta ideologia está enraizada na educação, mais propriamente na Universidade como instituição dominante e mandarinesca, (classe de privilegiados que mandam na classe inferior), a qual tropeça junto à sociedade em crise”.
“As Universidades tem como função básica, a formação de uma mão-de-obra dócil, “doutores” tecnocratas comissionados pelo capital, que servirão para a produção e para a reprodução de um saber dominante ao serviço do poder econômico”.
“A carreira universitária inculcará as formas de sentir, de pensar e de agir da classe dominante como sendo naturais e normais nesse contexto, transformando-se em mera estrutura de domesticação da mão-de-obra em que uma nova pedantocracia(alardear sabedoria que não se tem) de doutores e livres docentes, sem serem docentes autônomos (livres), garantem a hegemonia do saber dominante como sendo o único e legítimo, desclassificando os outros tipos de saber, considerando-os ilegítimos na medida em que não absorvem a retórica dominante na área do conhecimento específico”.
Quanto ao outro elemento, o econômico, este se expressa hoje através das corporações multinacionais e através de bolsas de todo tipo expedidas pelo governo e que segregam a sociedade civilizada. Na realidade, a peculiar ordem, progresso e segurança das autocracias lotéricas institucionais servem à acomodação e ao imobilismo ao impedir a educação, o questionamento consciente, a crítica e a discrepância.
Neste sentido, a Ideologia da Segurança Nacional dentro das instituições impede as “transformações audazes profundamente inovadoras” e não permite vislumbrar uma educação integradora e solidária para as comunidades.
O que esta ideologia determina é a manutenção da paralisia, da servidão, da escravidão e o agravamento das desigualdades; e entra em conflito com o grito manifestante de Maurício Tragtenberg: “A Universidade está em crise e isso ocorre porque a sociedade está em crise. Através da crise da Universidade é que os jovens agem automaticamente, detectando as contradições profundas do mundo social refletidas na instituição educacional, a qual não é tão essencial como linguagem; é simplesmente uma instituição dominante ligada à dominação”.
A isto, pode-se agregar que a Doutrina da Segurança Nacional é uma roupa velha que veste a Universidade, é uma ideologia, um sistema de ideias. Esta se encontra vinculada a um determinado paradigma econômico-político de características elitistas e verticalistas que suprime a participação ampla das comunidades em decisões que lhes competem.
A respeito disto, Maurício Tragtenberg comenta: “A Universidade produz contrariamente dois tipos de intelectuais. Primeiro, o intelectual orgânico (acrítico) da burguesia, organizador da hegemonia burguesa, a qual por mediação da Universidade inculcará as formas de sentir, pensar, agir da classe dominante como sendo naturais e normais, e o intelectual crítico que em épocas de ascensão do movimento de massas pode legitimamente representá-las”.
Tragtenberg continua a afirmar:
“O intelectual orgânico (acrítico) justifica-se como defensor da civilização ocidental cristã, como também a Doutrina da Segurança Nacional justifica-se em todos os países como defensor da civilização ocidental cristã, desenvolvendo um sistema repressivo, em concordância com sua guerra permanente”. Pode-se citar como exemplo a realização de curetagem a sangue frio, sem anestesia, realizada no Hospital Escola da USP até meados de 1980 (ver casos anexos, os depoimentos das Mães d’Água).
A Doutrina da Segurança Nacional, entendida como ideologia absoluta, se harmoniza em muitos aspectos com a doutrina cristã (que é uma das doutrinas mais criticadas no mundo contemporâneo pela sua visão, pela repressão do corpo e por sua apropriação indevida da sexualidade), enquanto responsável pelos genocídios cometidos contra as comunidades originárias em nome do Deus-Pai, o absoluto. Estas doutrinas “divorciadas” ou “casadas” impõem a tutela intelectual às comunidades, e acentuam a desigualdade das participações das comunidades em assuntos de seu interesse.
Nestas condições, não surpreende, portanto, a dramática desproporção entre a importância deste fenômeno ideológico de dominação política e econômica das instituições por um lado e a escassíssima bibliografia sobre este tema no continente Aywa-yala, para que todos questionem, reflitam sobre a transparência política, critiquem e chamem a atenção da opinião pública sobre suas gravíssimas e tenebrosas consequências psicossociais.
Não é duvidosa a percepção de Maurício Tragtenberg que lhe permitiu constatar as origens profundas desta ideologia: “a delinquência acadêmica”, que irradia insegurança, desculturação e desintegraçãoem tempos modernos.
Adverte que é um fenômeno exógeno às nossas comunidades. “Propiciam a transformação dos ‘meios’ em ‘fins’, o cultivo de um saber aparentemente neutro, porém financiado pelas multinacionais da cultura para a formação dos quadros que servirão à repressão na sua odiosa divisão de classes sociais.”
Somam-se a essa desarticulação psicossocial, médicos que não olham para o paciente, não conversam, não sabem interpretar os exames e não querem trabalhar nas periferias das cidades ou no interior dos estados, alegando uma série de empecilhos sociais, religiosos, biológicos, antropológicos, psicológicos, institucionais, etc.
As Universidades, principalmente as do estado, acabam servindo como um ‘santuário restrito’ para uma elite. “Ela não é uma instituição neutra, mas sim de classe, onde as contradições aparecem. Para obscurecer esses fatores, a Universidade desenvolve uma ideologia de saber imparcial científico, de neutralidade cultural. O mito do saber é seu objetivo”.
Muitos desses privilegiados pensam estar acima dos valores práticos dos povos originários amazônicos como os das Mães d’Umbigo e das Mães d’Água, dos conhecimentos e das crenças culturais dos quais se distanciaram e nem tomam conta de sua existência.
Essa ideologia do saber da Segurança Nacional civilizada “é uma extraordinária simplificação das pessoas, dos problemas e dos valores humanos. Em sua concepção, a guerra e a estratégia se tornam a única realidade e a resposta para tudo. Por causa disso, a Doutrina da Segurança Nacional ocidental escraviza e tortura os espíritos e os corpos dos povos originários e das mulheres civilizadas”.
A Universidade classista “forma escolas de medicina para utilizá-las repressivamente contra os deserdados (os inviabilizados ou os não civilizados) do sistema. Em suma, trata-se de um complô de belas almas recheadas de títulos acadêmicos de doutorismo, substituindo o bacharelismo com uma nova pedantocracia da produção de um saber a serviço do poder, seja de que espécie for”.
Este fenômeno vem de muito tempo atrás, quando a chamada civilização ocidental cristã deu início ao genocídio de pessoas que acreditavam em seus valores e suas crenças desenvolvidas pela sua própria história. Hoje, intentam abolir totalmente as iniciações energéticas e espirituais das Mães d’Umbigo Raizeiras e das Mães d’Água amazônicas.
Vemos assim, como os defensores da Doutrina da Segurança Nacional (pátria-Deus-ordem) invertem perniciosamente os valores. “A política, para eles, seria a continuação da guerra por outros meios, ou seja, a transformação dos ‘meios’ em ‘fins’, o cultivo de um saber aparentemente neutro”.
A Ideologia da Segurança Nacional que promove uma elefântica expansão de delinquentes acadêmicos nas instituições particulares e principalmente no estado é uma ocupação quase integral das funções estatais.
A título de uma guerra imaginária, avança como tarântula dentro do aparato institucional. A Ideologia acentua a tradicional tendência das “forças repressivas” (herança dos governos ditatoriais), aprisionando, com suas ‘garras’, as instituições públicas e privadas, produzindo ditaduras tecnocratas institucionais. Pequenas ditaduras, mas grandes em sua massificação.
A inversão de valores e de pensamentos sobre a pessoa-cultura, pessoa-valores, pessoa-livre-arbítrio imposta pela Ideologia da Segurança Nacional supõe o nepotismo e a impunidade do colarinho branco, a “militarização institucional” e a “ditadura civil”, gerando a autonomia da violência. Este último contribuiu para a falência da educação e da “Força d’Alento Espiritual” e, por outro lado, contribuiu para o assentamento da crise social, da miséria e da cultura do uso das drogas (basta notar o crescimento desenfreado das cracolândias em São Paulo).
A Segurança Nacional, como bem-estar dentro do materialismo científico, como conceitos e como valores, é ambígua. Primeiro, é inerente à condição humana ter um mínimo de incerteza e procurar se proteger contra os riscos. Segundo, a vida sempre está em constante vaivém, movimento, portanto a pessoa humana é relativamente insegura - a única segurança total é o bem-estar gelado, sinônimo da morte.
Como dizia Hellen Keller, “a segurança é em grande medida uma superstição, não existe na natureza. Evitar o perigo à larga não é estar mais a salvo”. A vida está semeada e enraizada no princípio da incerteza, ela é uma grande aventura, é um desafio constante ou não é nada.
Porém, manter o bem-estar, a salvação, é alimentar uma ideologia. A seguridade, como o “bem-estar”, é ideológica. São conceitos deficientes e conduzem às aflições da insegurança e à desculturação das comunidades. São conceitos reducionistas e demagógicos. Simplesmente querem apagar crenças e valores práticos multiculturais dos povos originários, como as médicas práticas, as Mães d’Umbigo Raizeiras amazônicas, que fazem parte do patrimônio de toda humanidade.